Mediação e conciliação nos Núcleos Especiais Criminais – Entrevista com o Dr. Lauro M. M. de Almeida

Autor: Promediares e Dr. Lauro M. M. de Almeida


PROMEDIARES: Dr. Lauro em primeiro lugar a Promediares gostaria de agradecer sua disponibilidade em compartilhar com nossos leitores um pouco sobre sua atuação junto ao NECRIM. E gostaríamos de começar perguntando: A mediação e a conciliação também se aplicam a processos criminais?

Dr. Lauro: Sim, aos casos de crimes de menor potencial ofensivo, claro, inclusive, em 2016 o decreto nº 61.974 criou os Núcleos Especiais Criminais – NECRIMs e a Central de Núcleos Especiais Criminais que se configuram como um programa de Justiça Restaurativa e uma proposta de política criminal com base na Escola de Chicago, que faz parte do grupo das teorias do consenso. Os NECRIM são uma proposta de polícia judiciária dirigida aos crimes de menor potencial ofensivo, em que o delegado de polícia tem atuação direta na mediação de conflitos, possibilitando um acordo entre os litigantes, ou seja, entre as partes envolvidas em um crime, réu e vítima. É uma forma de dar solução pacífica e rápida à situação.

PROMEDIARES: O que é Justiça Restaurativa, Dr. Lauro?

Dr. Lauro: Na Justiça Restaurativa o foco da solução dos conflitos passa a ser a reparação do dano causado às vítimas e às comunidades, e não, meramente, a punição ao infrator. Os primeiros trabalhos sobre justiça restaurativa (ACHUTTI e PALLAMOLLA, 2014) refletiam uma crescente insatisfação com o sistema de justiça criminal tradicional, sombrio e ineficaz, que justificaria a necessidade de adoção de um novo modelo. O Prof. Daniel Ness da Faculdade de Direito de Universidade Georgetown diz que a justiça restaurativa oferece uma resposta ao comportamento ilegal ou imoral, dando atenção às dores, ao sofrimento das vítimas, e das comunidades afetadas pelo crime. Na verdade, a Justiça Restaurativa procura evitar a etiquetação social negativa e a geração de um ciclo irreversível de alimentação da criminalidade.

PROMEDIARES: E Escola de Chicago, do que se trata? 

Dr. Lauro: A Escola de Chicago é uma teoria criminológica pertencente ao grupo das teorias do consenso. Essa teoria considera que a finalidade da sociedade é atingida no momento em que   suas instituições funcionam perfeitamente, de modo que as pessoas compartilhem objetivos comuns e aceitam as normas vigentes.

As atividades desenvolvidas nos Núcleos Especiais Criminais NECRIM referem-se, principalmente, àquelas denominadas de encontros de mediação entre vítima e ofensor e têm como objetivos o conhecimento dos motivos da conduta criminosa de menor potencial, a conciliação entre as partes e a possível mediação para um acordo de reparação dos danos causados.

PROMEDIARES: Imaginamos que os NECRIM sigam um conjunto robusto de princípios. Que princípios são esses?

Dr. Lauro: Sim, sem dúvida seguem. As atividades do NECRIM são norteadas pelos princípios que estruturam a filosofia da mediação e da conciliação. São eles: eficiência, celeridade, economia processual, simplicidade, informalidade, oralidade, confidencialidade, competência, imparcialidade, neutralidade, independência e autonomia, informação e autonomia da verdade.

PROMEDIARES: E como a mediação acontece nos NECRIMs?

Dr. Lauro: Foi o Decreto nº 61974/2016 que firmou os procedimentos que devem ser adotados pelos NECRIM, eu posso contar sobre como é realizado no NECRIM de Bragança Paulista, onde atuo. Os NECRIMs integram as assistências das Delegacias Seccionais de Polícia, e portanto, devem ser supervisionados pelos próprios delegados seccionais e correcionada pelas Diretorias respectivas. O responsável pelo NECRIM é sempre um integrante da carreira de Delegado de Polícia, que têm uma série de responsabilidades como, por exemplo, ele será o diretor do NECRIM, mas também deverá executar e fiscalizar as atividades da sua unidade, também é ele que fica responsável por presidir as audiências de oitivas dos envolvidos e as de composição. Dependendo da delegacia seccional a que o NECRIM está vinculado, é possível que ele fique responsável por mais de uma cidade na região, como é o caso de Bragança Paulista onde as atividades estão ligadas à Comarca de Bragança Paulista e por isso envolvem as cidades de Bragança Paulista, Tuiuti, Pedra Bela e Vargem. 

PROMEDIARES: O que é Termo de Composição da Polícia Judiciária TCPJ?

Dr. Lauro: É o documento que formaliza os termos da audiência de composição. Os NECRIM recebem boletins de ocorrência, ou mesmo termos circunstanciados das infrações penais de menor potencial ofensivo para instrução e realização de audiência de composição, e a partir deles, realiza sessões de mediação ou conciliação, entre autores e ofendidos, os termos dessas audiências são formalizados por meio do Termo de Composição da Polícia Judiciária. Em Bragança Paulista o NECRIM atende as ocorrências provenientes do plantão de Bragança Paulista, da Delegacia de Defesa da Mulher, exceto os casos que se enquadram na Lei Maria da Penha (é que o NECRIM em Bragança não realiza conciliações ou mediações relativas a casos relacionados a Lei Maria da Penha, nem casos cujos autores sejam crianças ou adolescentes, que envolvam a lei de drogas, maus-tratos e crimes cuja contra a proteção da administração pública. 

PROMEDIARES: Todas ocorrências são direcionadas para a mediação e conciliação? Ou melhor, todas as que tenham menor potencial ofensivo? 

Dr. Lauro: Nem sempre. Os casos relativos ao plantão policial, por exemplo, depois de elaboradas as ocorrências, o delegado de polícia coordenador do plantão policial faz uma triagem antes de encaminhar os casos. Existem situações, por exemplo, em que há denuncia de uso de arma de fogo, e nesses casos é pesquisado o fato (através de mandado de busca, por exemplo) para só então encaminhar a ocorrência. Agora, no caso das ocorrências da delegacia de Bragança e da DDM que passam por mediação ou conciliação e resultam em acordo, o NECRIM as instaura no sistema IP digital e depois encaminha ao Poder Judiciário. Já as ocorrências provenientes do Fórum, com ou sem acordo, são devolvidas fisicamente ao Poder Judiciário.

PROMEDIARES: O senhor gostaria de deixar alguma mensagem ou sugestão de leitura para os leitores do nosso blog que desejam saber mais sobre os assuntos que tratamos aqui?

Dr. Lauro: Ah, existem muitas boas referências, mas acho que uma boa sugestão é começar pelo vídeo de Howard Zehr que é uma grande referência e uma inspiração para mim. Este vídeo traduz o que seja justiça restaurativa e diz muito sobre como eu vejo a mediação e a conciliação aplicada à resolução de conflitos relacionados a crimes de baixo potencial ofensivo.

Para assistir ao vídeo citado pelo Dr. Lauro, clique no link a seguir (ou copie e cole em sua URL): https://youtu.be/Nrd7uZ3p3NQ

Lauro M. M. de Almeida: Mestrado em Direitos Humanos (adolescentes em conflito com a lei) pela Universidade Anhanguera/SP. Especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM/SP). Graduado na Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Delegado de Polícia Primeira Classe do Estado de São Paulo. Delegado Mediador e Conciliador do Núcleo Criminal Especial de Bragança Paulista/SP.

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