Autor: Nauraína Rocha Martins
Mestranda Ciências Sociais e Políticas Públicas PUC Minas | Instrutora de Mediação Judicial pelo CNJ
São muitos os problemas que surgem em função do descontrole financeiro, seja qual for o motivo, como a perda do emprego ou da capacidade produtiva em decorrência da limitada saúde, circunstâncias crescentes em um cenário de pandemia, em que alternativas precisam ser concretizadas para a própria sobrevivência.
Neste cenário de descontrole, em que escolhemos que contas pagar (quando há escolha), a falta de uma educação financeira na maioria das vezes não nos faz avistar alternativas, ou induz a alternativas equivocadas geradoras de mais transtornos.
No início do mês de julho, entrou em vigor a Lei Federal n. 14.181/2021, que vem sendo chamada de Lei do Superendividamento, com novidades para consumidores endividados que perderam o controle de suas dívidas. A renegociação solicitada pela pessoa superendividada é realizada com todos os credores em sessão de conciliação instalada pelo tribunal de Justiça do respectivo estado. Para saber um pouco mais sobre esse assunto entrevistamos a Profa. Nauraína Rocha que é especialista na área.
PROMEDIARES: Professora Nauraína, a promulgação da chamada lei do superendividamento poderá auxiliar muitas pessoas a resolver seus débitos e reorganizarem suas finanças. Qual sua opinião e experiência com a negociação nesse tipo de situação?
NAURAÍNA: Em 2012, tive a oportunidade de participar do Programa de Apoio ao Superendividado (PAS), uma iniciativa conjunta do Procon-SP e do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC – Central) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O PAS além de viabilizar a renegociação de dívidas com os credores de determinada pessoa física, ofertava orientação aos consumidores superendividados. Os interessados em participar do programa passavam por uma avaliação realizada por especialistas do Núcleo de Tratamento do Superendividamento para confirmar a sua condição como superendividado.
PROMEDIARES: Confirmada a situação de superendividamento a pessoa já começava a receber apoio para renegociação?
NAURAÍNA: Dívidas originadas de empréstimos e financiamentos, contratos de créditos voltados para o consumo, prestação de serviço e aquisição de produtos, eram atendidas pelo PAS. O participante precisava apresentar uma série de documentos para que os especialistas pudessem auxiliar em um plano de renegociação, como: comprovantes da renda individual e complementar, comprovantes de renda familiar, comprovantes das despesas básicas (contas de água, luz, gás, recibos de aluguel, média de gastos com alimentação, transporte, educação, saúde), e os documentos e demonstrativos das dívidas (extrato da conta corrente, carnês, faturas do cartão de crédito etc.), tudo para o preenchimento de uma planilha orçamentária fornecida pelo PAS. Após planificado receitas e despesas, era elaborado um plano de renegociação, factível de cumprimento pelo devedor, e eles ainda participavam de uma reunião (palestra) prévia para uma conscientização do caminho que percorreu sem perceber o buraco que o levava. Aí que a didática dos especialistas e idealizadores tinham seu maior destaque.
PROMEDIARES: Essa “didática dos especialistas” ajudava de que forma a pessoa endividada?
NAURAÍNA: Uma vez instalada a sessão de conciliação com todos os credores e a pessoa superendividada, o conciliador conduzia as tratativas como facilitador de comunicação fazendo com que as partes atuassem, não somente como credores e superendividado, mas sim como credores e devedor que tinham a missão de melhor partilhar do plano de renegociação. Um verdadeiro trabalho conjunto, estimulado com algumas técnicas (ferramentas) primordiais para esta interação. Nesse momento era muito importante que a pessoa endividada fosse capaz de apropriar-se do plano de renegociação, demonstrando que poderia colocá-lo em prática, mas também que estava disposto a tomar atitudes proativas e favoráveis à formalização do acordo. Isso era fundamental para que os credores ficassem abertos e confiantes na renegociação.
PROMEDIARES: A Lei do superendividamento ajudará aqueles que tiveram problemas financeiras durante a pandemia e viram suas dívidas se multiplicarem?
NAURAÍNA: Com certeza! Veja que o assunto não para somente com a recente Lei Federal n. 14.181/2021, que foi fruto de projetos de diversos Procons. Encontra-se em análise na Câmara dos Deputados, o texto do Projeto de Lei 1.818 |20 [1] que regulamenta a insolvência civil (falência de pessoa física). O PL cria regras para facilitar a renegociação de dívidas acumuladas por pessoa física vulnerável – com renda de até três salários-mínimos – durante o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19.
Não há dúvidas que a retomada da economia dependerá da nossa reorganização financeira, e especialistas em técnicas de negociação, conciliação e mediação nunca foram tão essenciais para a reconstrução de um país. Preparem-se!
PROMEDIARES: Quais as técnicas mais utilizadas ou que se destacaram durante a experiência com superendividados? Você poderia nos contar um pouco sobre elas?
A experiência foi incrível. Os credores reunidos na sessão são estimulados com a aplicação de várias das técnicas (ferramentas) autocompositivas. Dentre elas eu poderia destacar o afago, a normalização, a organização de questões e interesses, a recontextualização e a geração de opções.
PROMEDIARES: Afago?! (rsrs) essa palavra é sinônima de mimar, acalentar, é isso mesmo?
NARAÍNA: Não (rsrs), nesse caso afago é sinônimo de um “reforço positivo” e consiste em uma resposta positiva do conciliador a um comportamento produtivo, eficiente ou positivo das partes ou do próprio advogado. É uma espécie de feedback e, portanto, deve conter elementos tangíveis e sinceros. Qual comportamento da parte que nos permite recorrer de tal ferramenta? Em que momento específico se verificou a necessidade de usá-la? Como a colaboração entre os credores em melhor compartilhar os recursos do plano orçamentário do superendividado realizada com auxílio dos especialistas do PAS.
PROMEDIARES: E a normalização, em que consiste?
NAURAÍNA: É recomendável que o conciliador tenha um discurso voltado a normalizar o conflito e estimular as partes a perceber tal conflito como uma oportunidade de melhoria da relação entre elas e com terceiros, dando maior confiança ao superendividado que por vezes, ficava um pouco constrangido com todos seus credores ali.
PROMEDIARES: Uma outra técnica que você citou é a organização de questões e interesses, em que situações ela pode ser empregada?
NAURAÍNA: É comum o fato de as partes perderem o foco da disputa, deixando de lado as questões que efetivamente precisam ser abordadas na conciliação para debaterem outros aspectos da disputa que as tenham aborrecido. Nessa situação, o conciliador se vale da técnica de organização de questões e interesses para manter os credores focados no plano de renegociação estabelecido.
PROMEDIARES: E quais são os papeis da recontextualização e da geração de opções?
NAURAÍNA: A Recontextualização, ou Parafraseamento, é uma técnica empregada sempre que o conciliador for retransmitir às partes uma informação trazida ao processo por elas mesmas, mas que requer cuidado para ser dita em função de seu teor potencialmente conflituoso. O conciliador precisa se preocupar com o modo com que irá apresentar estes dados. Ele pode adotar uma perspectiva nova, mais clara e compreensível, ou então, dar um enfoque prospectivo, focar as soluções tendo como base os interesses comuns, filtrar os componentes, eventualmente, negativos sempre com o objetivo de encaixar essas informações no processo, de modo construtivo.
E a Geração de Opções é o momento em que são feitas perguntas que ajudam as partes a pensar em uma solução conjunta, como por exemplo, “Na sua opinião, o que poderia funcionar?” “O que você pode fazer para ajudar a resolver esta questão?” “Que outras coisas vocês poderiam tentar?” “Para você, o que faria com que esta ideia lhe parecesse mais razoável?” “Levando em consideração os interesses de ambos, o que poderíamos entender como uma solução satisfatória?” Ou seja, são perguntas voltadas para a solução.
PROMEDIARES: E como estar bem preparado para atuar como mediador ou conciliador?
A desenvoltura, o domínio das técnicas citadas, somente é possível a partir de sua qualificação profissional, seja qual for a sua formação universitária: Direito, Contabilidade, Administração, Recursos Humanos, Pedagogia, etc. Essa é mais uma demonstração do vasto mercado de trabalho que se abre para aquele que está atento às necessidades do mercado. Minha dica para estar preparado para esse futuro é “Seja um conciliador, mediador, negociador profissional!”
Para saber mais sobre a lei do superendividamento acesse:
Mais informações, acesse: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-o-que-muda-com-a-lei-do-superendividamento/.
Referencias:
Congresso Nacional – Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2247972
Concelho Nacional de Justiça – https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-o-que-muda-com-a-lei-do-superendividamento/.
Diário Nacional da União – https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.181-de-1-de-julho-de-2021-329476499
Manual de Mediação Judicial, 2016 – Ministério da Justiça.
Procon SP – https://www.procon.sp.gov.br/procon-sp-lanca-central-do-superendividamento/
Uma resposta
Aqui é a Manuela Ferreira, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.